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Hoje, conversámos com Eliana Franco, sobre alguns aspetos da sua profissão, sobre a importância do associativismo e ainda sobre alguns conselhos para a nova geração de profissionais.
APTRAD: Fale-nos um pouco sobre si, sobre como começou a sua carreira e o que é que a levou a escolher esta profissão.
Eu sempre fui apaixonada por cinema e interessada em legenda e dobragem, os modos de tradução audiovisual populares na minha época de estudante. Também sempre fiquei muito intrigada com artigos não-especializados sobre o tema, que geralmente criticavam de forma muito negativa a profissão do tradutor. Foi fácil optar pela tradução na graduação da PUC São Paulo, o primeiro curso universitário na área no país, e dali seguir para um mestrado na Federal de Santa Catarina, onde fui viver mais tarde. Lá, eu escrevi a segunda dissertação em TAV no Brasil (1991), sobre os bastidores da legendagem e da dobragem, tentando entender as razões para tais críticas. No primeiro congresso em que participei sobre Tradução, na Universidade de São Paulo, já não me lembro bem o ano, ouvi uma frase que se tornou o lema da minha profissão: “tradução é tudo o que se ganha.” Em 1995 eu parti para a Bélgica para o doutorado, onde escrevi a primeira tese sobre a tradução em voice-over, que se tornou referência na área. De volta ao Brasil, em 2000, lecionei dois anos na Universidade Estadual do Ceará, onde desenvolvi pesquisa com a colega e também referência Vera Santiago Araújo sobre a legendagem para surdos e ensurdecidos, publicada na Europa, e em 2002 prestei concurso para a Federal da Bahia, onde lecionei por 12 anos. Em 2004 tive meu primeiro contacto com a audiodescrição através de formação com Bernd Benecke, na Alemanha, e foi aí que encontrei o fio condutor de tudo o que fiz profissionalmente a partir deste ano. Eu encontrei na acessibilidade comunicacional, audiodescrição e legendagem para surdos e ensurdecidos, uma grande realização profissional e uma forma de impactar a sociedade através da inclusão cultural.
APTRAD: Como descreveria um “dia normal” na sua vida profissional?
Digamos que um “dia calmo” seria eu em frente ao computador traduzindo imagens ou sons em palavras ou tendo longas discussões por WhatsApp com meu consultor com deficiência visual ou surdo sobre um guião de audiodescrição ou uma legendagem. São horas e horas de trabalho… Já um “dia agitado” na minha rotina profissional se dá geralmente com as horas de estúdio, no caso de obras audiodescritas gravadas, e com a audiodescrição de peças teatrais e outros espetáculos ao vivo, que impõem uma dinâmica diferente, como a presença aos ensaios finais e o fechamento do guião praticamente no dia da estreia. O ritmo aí é frenético. Mas eu adoro.
APTRAD: É membro de alguma associação/organização profissional? Se sim, o que a levou a associar-se e, se não, porque ainda não o fez?
Quando estava no Brasil e ainda lecionava na universidade, fui por muitos anos membro da ABRAPT – Associação Brasileira de Pesquisadores em Tradução, e cheguei a ser vice-presidente num dos biênios. Em Portugal, associei-me à Acesso Cultura, pois me parecia óbvio dentro do que eu faço. Porém, tenho tido contacto com várias outras associações interessantes, como a Parasita e a Alkantara, que estão despertando para as questões das acessibilidades na artes. Neste ano pós-pandêmico, com as atividades na área voltando a acontecer mais frequentemente, acabo de associar-me à ATAV e à APTRAD. Apesar de estar cá desde 2020, foram dois anos muito instáveis e eu adiei um pouco estas questões, também para perceber se eu me estabeleceria aqui ou não. A ATAV é dirigida aos profissionais da tradução audiovisual e a APTRAD tem um perfil mais diversificado, e é importante estar em contacto com colegas de várias áreas da tradução.
APTRAD: Pela sua experiência, o que faz um “bom” profissional nesta área?
Sempre disse aos alunos e às alunas que o bom tradutor/a boa tradutora não é aquele(a) que sabe tudo sobre a cultura de partida e de chegada ou da área em que traduzem, discurso meio utópico este, advindo da Linguística antes da Tradução tornar-se uma área de estudos independente. Penso que o bom / a boa profissional há de ser curioso(a) e estar apto(a) a pesquisar e resolver satisfatoriamente os desafios tradutórios no espaço de tempo mais curto possível, como é o caso na tradução audiovisual. Para isso, é necessário também ser capaz de criar uma boa base de dados e ter consultores especializados(as) que o/a auxiliem quando necessário. Também penso que manter-se atualizado(a) sobre os discursos e as questões que afetam a sociedade contemporânea é essencial para a prática da profissão. E paixão pelo que faz, é claro.
APTRAD: O que gosta mais e o que gosta menos na sua profissão?
Acho que os prazos apertados e a (ainda) pouca valorização da profissão aborrecem qualquer profissional sério. Reduzir as rates ao número de palavras traduzidas não reflete o número de horas trabalhadas. Também me chateiam os clientes que impõem manuais sem entender sobre TAV ou que não dialogam e tentam impor soluções tradutórias. Por outro lado, aprecio a liberdade e a flexibilidade com que podemos definir nosso tempo, sem ter que cumprir horários fixos, o que ajuda muito cada um(a) a definir seu horário mais produtivo. Adoro os desafios impostos pela tradução, aprender sobre novas áreas, pessoas e palavras. A tradução permite que você aprenda infinitamente sobre coisas e pessoas que talvez nunca conheceria se não traduzisse. Mesmo nas obras com as quais não nos identificamos muito, há sempre algo de curioso, de novo.
APTRAD: Que conselho daria a alguém que quer tornar-se tradutor e/ou intérprete?
O primeiro, observe o seu discurso sobre a tradução. Não reproduza ideias sobre intraduzibilidade, fidelidade, perda, equivalência. Não fale de problemas da tradução, mas de desafios. Não se concentre em erros tradutórios, mas nas soluções. Os erros podem ser muito mais reflexo de um cliente que optou por um(a) profissional barato(a) do que por um(a) tradutor(a) qualificado(a). Pratique o discurso positivo sobre sua profissão. O segundo, conheça o seu público a fundo. Isto é ainda mais importante na tradução audiovisual acessível, em que traduzimos para pessoas cegas, surdas e neurodiversas. Para isto, não basta eu escrever um texto, um guião de audiodescrição por exemplo, bonito e gramaticalmente impecável. Se ele não ajudar o meu público a construir uma imagem mental daquilo que estou descrevendo, o guião não servirá para nada. Interesse-se pelo seu público, leia sobre e converse com ele.
APTRAD: Alguma coisa mais que gostasse de partilhar com os nossos leitores?
Gostaria de agradecer à APTRAD pela oportunidade e a todos(as) que leram esta entrevista até aqui. Tenho dado formações pela Sintagma Lda, e também pela FrancoAcesso, que era minha marca no Brasil e que está sendo reformulada para este novo ciclo em Portugal. Quem quiser apreciar meu trabalho e o da minha equipa, fazemos regularmente a audiodescrição de espetáculos no TBA – Teatro do Bairro Alto, em Lisboa. Os dias podem ser encontrados no site do teatro. E em abril estarei no Porto com minha equipa para o Festival Dias de Dança (festivalddd.com), uma verdadeira alegria! Um abraço!
APTRAD: Muito obrigado, Eliana, por ter respondido às nossas perguntas!
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Biografia:
Eliana Franco é doutorada em Letras pela KULeuven (Bélgica, 2000), especialista em Tradução Audiovisual e Acessibilidade, audiodescritora e legendadora, consultora e coordenadora de projetos em acessibilidade comunicacional para o público surdo e com deficiência visual. Iniciou-se na acessibilidade em 2000 e na audiodescrição em 2004, na Alemanha. Foi docente da Universidade Federal da Bahia (2002 – 2014), onde fundou e coordenou o grupo de pesquisa TRAMAD – Tradução, Mídia e Audiodescrição. É uma das pioneiras da audiodescrição no Brasil, promovendo a pesquisa e a formação em universidades e outras instituições. Desde o início de 2020 vive em Portugal, onde trabalha como consultora em acessibilidade, formadora de audiodescritores guionistas e consultores, e coordenadora da acessibilidade em projetos no cinema, teatro e, mais recentemente, em espaços expositivos. Publicou vários artigos na área e é co-autora de “Audio Description in Brazil”, em The Routledge Handbook of Audio Description (2022).