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O Conselho de Ética e Deontologia da APTRAD é composto por três figuras de referência no ensino da tradução e da interpretação em Portugal e representam três conceituadas Universidades com quem a APTRAD tem um Protocolo de Colaboração. É da responsabilidade deste Conselho velar pelo cumprimento e respeito dos princípios, deveres e usos profissionais objeto do nosso código deontológico e decidir, se necessário, qual a sanção a aplicar no caso do seu incumprimento.
Hoje apresentamos o Prof. Fernando Alves, professor auxiliar do Departamento de Estudos Ingleses e Norte-Americanos (DEINA) da UMinho.
APTRAD: Porque aceitou tornar-se membro do CED da APTRAD e o que significa ser membro do CED da APTRAD?
Desde o início da minha carreira que a reflexão em torno das questões profissionais acompanha o meu trabalho. Inicialmente, como tradutor, mais tarde, enquanto docente e investigador e, posteriormente, no contexto do CNT (Conselho Nacional de Tradução). Não foi por acaso que decidi dedicar o meu doutoramento a esse tema, porque considero importante mapear e cartografar a configuração desta profissão, bem como estudar o desenho das suas múltiplas cambiantes. Toda a profissão tem uma componente prática e ética que contempla o saber-fazer e o saber-estar. Qualquer definição de uma atividade profissional comporta em si, necessariamente, a dimensão ética e deontológica, ou seja, o conjunto de princípios, valores, deveres e usos aplicados e associados a uma prática profissional e que regem, acompanham e norteiam o comportamento e exercício profissionais, servindo como pontos de referência que permitem sinalizar um modo de agir em conformidade com os valores de ética de serviço, dedicação e integridade.
Por outro lado, sempre acompanhei com grande interesse o trabalho desenvolvido pelas várias associações profissionais neste domínio, conhecendo, desde a sua génese, o envolvimento e compromisso da APTRAD, enquanto interlocutor e parceiro institucional reconhecido, bem como a sua intervenção atenta e proactiva zelando pelos interesses e boas práticas profissionais, a par do diálogo profícuo com outros órgãos congéneres.
Foi, por isso, uma honra e um prazer receber o convite para integrar o CED, juntamente com outros colegas oriundos de instituições de ensino superior orientadas para a formação de tradutores e intérpretes. A título pessoal, tratou-se do corolário lógico de um percurso, sublinhando, sobretudo, esta relação positiva e estratégica entre o mundo académico e a esfera profissional e associativa, concorrendo para a credibilização da profissão e definição de um conjunto de normas e referenciais padrão, homogéneos e harmonizados para o exercício da profissão e transmitindo, em simultâneo, uma mensagem de diálogo, transparência, credibilidade, rigor e qualidade tanto a nível interno, como a nível externo.
APTRAD: Considera importante que as universidades de tradução e de interpretação sejam representadas desta forma no CED de uma associação de profissionais?
Sim, parece-me um trajeto natural neste processo de construção de um caminho comum rumo à profissionalidade. Trata-se, sobretudo, de criar sinergias e parcerias estratégicas, dado que todos têm um papel importante e crucial na construção e definição dos valores e normas que enformam a profissão. Enquanto instituições formadoras de tradutores e intérpretes é importante acompanharmos de forma próxima e atenta a evolução do setor em termos das novas configurações do mercado, tecnologias e recursos, novas formas de organização do trabalho, identificando forças, constrangimentos, ameaças e oportunidades. Enquanto associações profissionais, é importante igualmente calibrar expetativas, alicerçadas num enquadramento teórico e metodológico no contexto, por exemplo, dos Estudos de Tradução e outras áreas afins, promovendo a investigação e reflexão científicas, bem como a produção, geração e disseminação de conhecimento. Só assim será possível afinar procedimentos orientados para a reprodução de boas práticas profissionais, enquadradas a montante e a jusante, através do confronto com discursos, perceções e narrativas associadas a um bem-fazer e boas práticas profissionais, eventualmente influenciando e introduzindo temas pertinentes nos curricula académicos e sensibilizando os alunos que pretendem iniciar a sua atividade para essas questões, através do desenvolvimento de competências orientadas para a empregabilidade e inserção no mercado de trabalho.
APTRAD: De que forma e em que medida os Códigos de Ética e de Deontologia podem ajudar a moldar o futuro da nossa profissão?
Na verdade, o conceito de profissionalidade refere-se aos conhecimentos, atitudes, valores e comportamentos específicos, associados a uma determinada profissão, enquanto o profissionalismo se relaciona com o exercício da profissão, envolvendo questões de natureza ética e deontológica, bem como noções de empenho e dedicação, isto é, com o modo como cada profissional exerce a sua profissão.
É, de facto, algo redutor considerar que poderão moldar de forma total e absoluta, já que há sempre uma componente técnica, pessoal e humana, ao mesmo tempo que deverá ser evitada uma abordagem marcadamente punitiva e repressiva. Porém, do ponto de vista profissional, e em termos de componente interpessoal e relacional, o seu carácter normativo e prescritivo poderá ter um efeito dissuasor e profilático altamente positivo, ajudando a nivelar e a introduzir uma dimensão de credibilidade e respeitabilidade, contribuindo para definir e consolidar o campo profissional, introduzindo “balizas” e marcos de referência no terreno, que não deverão ser transpostos nem violados. Afinal de contas, os vetores essenciais e nucleares que enformam e valorizam a profissão. Evitando uma lógica de dogmas insofismáveis, e à semelhança de outras profissões com outros níveis de consolidação e afirmação social e institucional, estes códigos fornecem orientações basilares claras, precisas e objetivas, ao mesmo tempo que permitem definir um roteiro de boas práticas, sinalizando, se quisermos, “rotas e percursos perigosos e/ou comportamentos desviantes”, sob a forma de “avisos à navegação”, envolvendo uma atitude de diálogo, boa vontade e tolerância, embora com inflexibilidade e rigor. Retomando um anúncio por demais conhecido, “há uma linha que separa…” Ajuda, por isso, a construir a profissão, definindo valores e preceitos que regem a profissão, ao mesmo tempo que transmite uma imagem de rigor, transparência e credibilidade para o exterior, os clientes finais, bem como os restantes atores e agentes envolvidos no processo de prestação de serviços linguísticos. No fundo, formulando padrões e normas éticos da profissão, decorrentes da aplicação de um código de ética e modelos de melhores práticas orientados para a qualidade, a ética e a deontologia, capaz de recuperar uma cultura técnica de ofício, enquanto saber-fazer e saber-estar inscritos em contextos de interação social.
APTRAD: O que espera da APTRAD no futuro?
Espero que a APTRAD continue a desenvolver o seu trabalho altamente meritório em harmonia, diálogo, consonância e articulação com os outros agentes que atuam num terreno tão transdisciplinar e heterógeno como a prestação de serviços linguísticos e comunicação multilingue.
De facto, as várias iniciativas desenvolvidas pela APTRAD, nomeadamente o seu programa de mentoring, bem como as suas conferências, workshops e propostas formativas como, por exemplo, a iniciativa “Sou Tradutor e Agora?”, são extremamente úteis e valiosas para os nossos alunos, permitindo essa sensibilização e maior proximidade e contacto com os profissionais do setor, sobretudo quando confrontados com a complexa abrangência dos mercados das línguas e a excecional amplitude dos serviços solicitados aos seus profissionais.
Relativamente às múltiplas facetas da profissão, gostaria de relembrar ainda que o CNT comporta na sua essência 3 vetores nucleares no domínio da tradução e interpretação, nomeadamente a formação, as empresas e os profissionais, havendo, por isso, múltiplas variáveis envolvidas, sendo a APTRAD um dos seus interlocutores estratégicos, à semelhança de outros, num espírito de promoção de abertura, diálogo e transparência.
É igualmente essencial desenvolver os níveis de consolidação da profissão com vista a atingir um grau de independência e afirmação profissionais, aspirando à regulação do mercado, controlo do acesso à profissão e promoção do seu reconhecimento político e institucional, independência económico-financeira, combatendo eventuais tendências para a sua fragmentação e dispersão, evitando a intromissão de práticas concorrenciais amadoras e semiprofissionais e combatendo influências nocivas que afetam a definição do seu campo profissional e contribuem para a sua permeabilidade e fragilidade estruturais.
É, por isso, necessário que as associações profissionais nacionais consigam contrariar e inverter as tendências mais pessimistas, estabelecendo os ditames da profissão, criando rotinas e procedimentos normativos para a sustentabilidade da tradução como uma profissão legítima, sólida e institucionalmente enquadrada. E, de igual forma, que seja possível a real afirmação da profissão nos vários fora, como uma atividade autónoma e forte, dotada de mecanismos reguladores do acesso à profissão e apoiada por instâncias fiscalizadoras, capazes de influenciar os órgãos decisores e credibilizar a prática profissional.
Enquanto representante da Universidade do Minho espero, claro, continuar a reforçar esta relação com resultados bastante visíveis e positivos entre ensino e profissão (como, por exemplo, o reconhecimento concedido através do Prémio APTRAD de Melhor Estudante Finalista de Mestrado em Tradução que muito nos honra e prestigia) e, ao mesmo tempo, estreitar os laços institucionais que nos unem e que se encontram plasmados no Protocolo de Colaboração assinado em 2016, beneficiando das oportunidades que são concedidas aos nossos alunos.
Por último, e quanto ao que às instituições formadoras diz respeito, penso que será possível tratarmos deste nosso “bem comum”, trazendo para a mesma mesa diferentes interlocutores, formando profissionais mais competentes e qualificados, influenciando os decisores políticos, sensibilizando a opinião pública e contribuindo para a visibilidade, credibilidade, afirmação e prestígio da profissão.
Biografia:
Fernando Ferreira Alves é professor auxiliar do Departamento de Estudos Ingleses e Norte-Americanos (DEINA) da UMinho. Doutorou-se em Ciências da Linguagem (ramo Sociolinguística) com a tese “As faces de Jano: Contributos para uma cartografia identitária e socioprofissional dos tradutores da região norte de Portugal” e tem trabalhado as questões da profissionalização e comunicação multilingue no contexto das indústrias das línguas. Para além de aliar a profissão de tradutor à de investigador e docente, foi ainda vogal da Direção do BabeliUM – Centro de Línguas da Universidade do Minho, Diretor do curso de Línguas Aplicadas (LA), sendo ainda presidente do Conselho Nacional de Tradução (CNT).