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Tradutores e Intérpretes pelo Mundo – Daniel Pereira Maciel

Hoje, conversámos com Daniel Maciel, sobre alguns aspetos da sua profissão, sobre a importância do associativismo e ainda sobre alguns conselhos para a nova geração de profissionais.

APTRAD: Fale-nos um pouco sobre si, sobre como começou a sua carreira e o que é que a levou a escolher esta profissão.

[Como diziam no Castelo Rá-Tim-Bum, “senta que lá vem a história” :)]

O caminho foi um pouco tortuoso. Minha primeira escolha académica foi pela licenciatura em Ciência da Computação, curso para o qual fui aprovado no vestibular e que cheguei a começar a cursar na Universidade de Brasília ao sair do ensino médio em 2000. Após o primeiro semestre, no entanto, duas coisas ficaram claras: a carga horária extremamente demandante e pouco flexível do curso seria um desafio enorme para alguém que precisava trabalhar em tempo integral enquanto estudava, e separar cinco anos da minha vida para uma carreira que não tinha certeza que queria seguir era uma decisão, no mínimo, temerária.

Aguentei este ritmo por exatos oito meses. Minhas terças-feiras começavam às seis da manhã e terminavam à uma da madrugada, e uma pessoa em minha vida na época me fez uma pergunta em uma destas terças-feiras particularmente tenebrosas que não consegui responder:

Porque não dedicar minha carreira académica a algo que tinha certeza que queria fazer profissionalmente porque já o fazia?

Ali se acendeu a centelha. Depois de uma conversa rápida com a família, que reagiu com iguais (e altos) níveis de apoio e estranhamento, dei uma guinada completa. Fiz vestibular novamente e saí da graduação em Ciência da Computação para a de Letras – Inglês e depois Letras – Tradução, todas na Universidade de Brasília (e acabei não concluindo nenhuma delas – longa história!), mas meu destino profissional estava selado. Minha vida desde então, e pelo menos até hoje, giraria sempre em torno do mercado de profissionais de línguas.

Fiz minhas primeiras traduções no início da carreira em 2002 e minhas primeiras diárias de interpretação em 2008, enquanto ainda dava aulas. Em 2009, minha desilusão com o trabalho em sala de aula chegou ao ápice, e tomei a decisão de fazer um clean break – tinha seis meses para reorganizar minha vida ao redor exclusivamente da tradução e da interpretação. Foi duro e absolutamente aterrorizador em alguns momentos, mas aconteceu. E o resto, como dizem, é história.

APTRAD: Como descreveria um “dia normal” na sua vida profissional?

É um pouco complexo falar em um dia “normal” porque, como boa parte da profissão, acabei acumulando uma série de habilidades e funções diferentes ao longo da carreira que tornam a grande maioria dos dias muito pouco parecidos.

Isto posto, há algumas constâncias. Todo dia começa com meu e-mail. Sou ferrenho adepto do famoso Inbox Zero, método através do qual transformo minha caixa de entrada em minha lista de tarefas diária e vou fazendo a “triagem” das coisas que entram e saem conforme o dia avança.

O que vem depois desta primeira triagem inicial sempre varia. Em alguns dias, é trabalhar no Phrase (minha CAT Tool favorita) em minha última tradução. Em outros, passo o dia na plataforma de algum cliente que exige que o trabalho seja feito em seu próprio ambiente. Ou faço algum trabalho administrativo – enviar faturas, preencher minha planilha de controle de projetos. Ou, ainda, passo a estudar materiais ou me preparar para viajar para algum evento de interpretação. De resto, talvez a única outra atividade constante do meu dia a dia é fazer exercícios. É algo recente na minha vida (coisa de menos de um ano), mas tem sido importantíssimo para gerenciar minha diabetes e permitir que eu trabalhe com afinco – hoje, considero parte integral da minha rotina profissional mesmo.

APTRAD: É membro de alguma associação/organização profissional? Se sim, o que a levou a associar-se e, se não, porque ainda não o fez?

Várias!! Sou fã e membro de uma série de associações, incluindo o SINTRA, a Abrates – esta última como Membro Sênior –, a TAALS, a APTIC, a Asetrad e a MET, além de ter candidaturas recém enviadas para três mais, incluindo a APTRAD!

APTRAD: Pela sua experiência, o que faz um “bom” profissional nesta área?

Pensar como profissional – idoneidade, honestidade, compromisso – e refletir essa mentalidade em ação. Tenho plena ciência de que é o tipo de mensagem que parece ter sido concebida exclusivamente para o próximo festival de virtue signaling do LinkedIn, mas acredito ferrenhamente que o maior sinal de desempenho positivo em nossa profissão (especialmente no mercado freelance, em que a reputação pessoal é o principal preditor de receitas e prospetos) é ter a capacidade de projetar para clientes e colegas a certeza de que suas prioridades estão no lugar certo; que a defesa dos padrões da profissão é a defesa da qualidade do seu trabalho; que suas habilidades são as habilidades que diz que são; e que sua palavra e seu compromisso são parte tão integrante de sua promessa e sua garantia quanto seu contrato e seu currículo. Todo o conhecimento, talento e preparação do mundo (e, claro, há que se ter muitíssimo de todos estes!) vão ser de pouca ou nenhuma utilidade caso seu mercado e sua profissão não acreditem que estão ancorados na pedra angular de seu comportamento, ética e valores profissionais. Todo o resto emana dessa base.

APTRAD: O que gosta mais e o que gosta menos na sua profissão?

Tenho bem mais ‘gostos’ que ‘desgostos’ com a nossa profissão (suponho que estaria em outra profissão se não fosse o caso!). Amo a variedade de tópicos e pessoas que posso conhecer e pelos quais posso me enveredar, adoro a flexibilidade de dias e horários de trabalho – viajar fora das férias escolares é um dos melhores prazeres da vida! – e tenho imenso apreço pela liberdade de escolher que clientes adotar e que clientes demitir.

Do outro lado, não sou muito fã da inconstância da renda (mas depois de 15 anos, se não estivesse acostumadíssimo com os altos e baixos, precisaria de mais terapia 😁), e me horrorizo sempre com a quantidade absurda de trabalho administrativo que freelancers precisam abarcar em suas rotinas em comparação com profissionais que trabalham em outros regimes. É um inferno logístico e burocrático absolutamente dantesco cuja dor só se conhece sofrendo-o, e uma tragédia que seja tão comum e corriqueiro.

APTRAD: Que conselho daria a alguém que quer tornar-se tradutor e/ou intérprete?

Informe-se primeiro sobre os comportamentos e atitudes esperados de alguém que seja profissional da área. Comece por aí. Suas habilidades serão treinadas de um jeito ou de outro, mas o profissionalismo precisa estar lá desde o momento zero.
Descubra que atitudes são mal vistas ou vistas com receio, e assegure-se de estar defendendo os mais elevados padrões para sua profissão desde o primeiro dia – e atente-se ao fato de que muito pouco destes padrões tem necessariamente a ver com honorários. Não há profissional com 20 anos de experiência no mercado que vá pensar que profissionais de 20 dias de mercado poderiam competir se estivessem no mesmo patamar em termos de valores. Entre o aviltante e o high-end, há um oceano de clientes e demandas com requisitos e faixas de remunerações distintas. Encontre o seu, evolua a partir dele sempre, e seja excelente desde o primeiro trabalho. É dificílimo construir uma boa reputação; é facílimo demoli-la.
Busque programas de mentoria, converse com colegas, coloque-se na frente das pessoas que podem ser uma influência positiva na sua carreira. Cada pessoa com mais experiência que ajuda a evitar uma gafe ou uma má impressão é um avanço de carreira inestimável.
Suspeite de quem diga que é fácil ou simples ganhar dinheiro com tradutor/a ou intérprete, e busque sempre ser multivalente. As demandas variam em volume de trabalho dentro de uma área, mas também entre diferentes áreas. Especialize-se, e busque seu nicho.

APTRAD: Alguma coisa mais que gostasse de partilhar com os nossos leitores?

Associem-se! Encontro muito ceticismo quando falo da quantidade de associações das quais participo, mas posso garantir que cada uma das taxas que pago para ser membro de todas essas associações se paga todos os anos. Seja por encontrar clientes, por interagir com colegas, por descobrir eventos importantes da profissão ou por entender melhor o que passam as pessoas em outros momentos da carreira, me associar sempre e com afinco foi provavelmente a melhor decisão que tomei na minha carreira profissional.

E para colegas intérpretes que estejam lendo isso ― quer estejam iniciando a carreira ou já tenham bastante experiência ― não esqueçam de praticar! Há uma série de grupos de prática super interessantes a explorar, inclusive para intérpretes de língua portuguesa. Sou membro da equipe organizadora do AmeriVox (https://linktr.ee/AmeriVox), um grupo de prática que focado nas línguas mais comuns da América Latina, e temos colegas da Europa que praticam conosco com frequência. Manter as habilidades afiadas e atualizadas é tão importante quanto qualquer outro aspecto da profissão.

APTRAD: Muito obrigado, Daniel, por ter respondido às nossas perguntas!

Biografia:

Daniel Pereira Maciel é tradutor juramentado e técnico, Mestre em Interpretação de Conferências pela Universidade de York (Glendon) e profissional com vasta experiência em uma série de áreas correlatas, incluindo edição, legendagem, revisão de conteúdo editorial, suporte técnico para reuniões multilíngues e outras mais.
Originalmente de Brasília, Daniel iniciou sua carreira como tradutor em 2002 e de intérprete em 2008. Em 2016, se mudou para Toronto para seu mestrado e hoje vive em Barcelona com sua esposa (também tradutora e intérprete).

Para saber mais sobre o Daniel, pode segui-lo no LinkedIn.

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