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Outro dia, numa conversa, naquele tom de “falar a sério a brincar”, referi exemplos de pessoas que, sem qualquer qualificação académica, desempenharam determinadas profissões e eram respeitadas e consideradas especialistas incontestáveis nessas áreas, no passado.
Asseguro-vos que a conversa não tinha música de violino a acompanhar, nem pretendia ser uma ode ao saudosismo de tempos passados, tratava-se apenas de uma constatação de factos e, no meio da conversa, foram referidos diversos exemplos e episódios. Falou-se, por exemplo, de barbeiros que eram dentistas, ou de veterinários que eram ferradores de cavalos e faziam uma perninha a tratar achaques de humanos. Isto pode parecer uma piada, mas não é. Ou então pode achar-se que estamos a falar de 1385, ali logo depois da crise dinástica e da Batalha de Aljubarrota, mas não, os exemplos referem-se todos a factos passados, mas, ainda assim, suficientemente recentes para conseguirmos relatar o que se passava sem recorrer a livros de história e alguns ao lado das grandes cidades deste país.
A esta altura, devem estar a questionar-se porque vos estou a falar sobre este assunto. Só mais uns segundos e já vos elucido: se transportássemos essas pessoas para hoje, se voltássemos ao passado e as pudéssemos recortar de onde estavam e colocá-las no presente, no contexto em que vivemos, asseguro-vos que essa mudança gerava uma enorme onda de indignação e total recusa em aceitar que tal acontecesse. Como assim, dentistas que exercem e não têm um diploma de mestrado em medicina dentária afixado na parede?! Como assim, arrancam dentes e não se desinfetaram da cabeça aos pés, não têm o consultório imaculadamente limpo e não estão de bata, máscara, viseira, luvas, touca de cirurgia e um ror de coisas mais?!
É verdade. Os tempos mudaram. Mudaram os tempos, mudaram as circunstâncias, mas acima de tudo, mudou a consciência das pessoas. Podemos dizer que esta mudança assenta num maior conhecimento quer da profissão que desempenham, da teoria e das técnicas envolvidas, quer de todas as condições inerentes para que a executem da melhor forma. É esta diferença no encarar das situações e na forma como a profissão é abordada, qualquer que ela seja, que é o pilar essencial para a profissionalização. É no olhar sério e na atitude de responsabilidade que reside a mudança, seja do dentista, seja do tradutor.
E agora que cheguei ao tradutor, aproveito para reforçar a importância da seriedade com que encaramos esta nossa área. Podia continuar e falar aqui de como é fundamental o papel do tradutor e/ou do intérprete em tantos momentos diários na vida de cada um, desde em questões de negociações, em situações de diplomacia, em momentos de lazer, no trabalho diário de empresas dos mais variados ramos, mas não é necessário porque qualquer pessoa devidamente habilitada para trabalhar em tradução e em interpretação sabe disso, conhece o que é necessário conhecer, sabe onde se deve dirigir se precisar aperfeiçoar conhecimentos ou técnicas, reconhece o potencial desta área, tem consciência dos desafios diários com que nos deparamos e de como é imprescindível a seriedade e o profissionalismo.
Não é necessário repetir diariamente como se chega à profissão, quais os caminhos viáveis e sérios para se desempenhar a mesma. Necessário mesmo é virar a página, deixar de perder tempo a debater algo que é ponto assente, concentrarmo-nos em trabalhar e deixarmos o profissionalismo do nosso trabalho falar por nós.
Bio:
Tina Duarte. Licenciada em Tradução pelo Instituto Politécnico de Leiria, é tradutora de inglês e francês para português desde 2006 nas áreas da Comunicação Empresarial, Marketing, Turismo e Assuntos Internacionais. Desde 2017 é membro da Direção da APTRAD.