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Ouvimos falar de profissões desde o amanhecer da civilização. Algumas existiram desde sempre, outras caíram em desuso e outras ainda foram nascendo conforme a necessidade assim o ditava. As que fizeram o seu percurso desde os primeiros tempos até agora, sofreram adaptações para melhor se acomodarem aos tempos e às realidades dos mesmos.
Dentro do lote das que existem desde sempre e que têm certamente sofrido alterações, tanto na forma de como são exercidas, como nas ferramentas ao dispor, está a nossa: a de tradutor. É, de facto, extraordinário pensarmos no caminho percorrido desde a forma como inicialmente se exercia a atividade até à forma como é exercida agora. E, se há algo que não mudou, foi certamente a receita para o melhor desempenho da profissão. Assim, a base continua a assentar no profundo conhecimento das línguas de partida e de chegada, das áreas com que se trabalha e no esforço para nos mantermos a par de todas as evoluções que vão acontecendo, agora a um ritmo muito acelerado e sempre com o máximo profissionalismo e sentido de responsabilidade.
Ontem, como hoje, continua a insistir-se na máxima da necessária invisibilidade do tradutor, de como é fundamental deixarmos o palco ao autor. Hoje, muito mais do que ontem, trabalha-se em casa, a partir de um espaço de cowork ou outro local com espaço suficiente para nos mantermos concentrados na tarefa e conectados ao mundo através de uma ligação internet, conciliando-se, às vezes, a tradução com o exercício de outra profissão. Hoje, muito mais do que ontem, ouvimos falar de tradução automática, de inteligência artificial, de automatização de procedimentos, de simplificação do trabalho. Hoje, muito mais do que ontem, ouvimos pessoas menos esclarecidas a falarem da substituição do tradutor humano pelo automático. E, às vezes, tememos pelo futuro.
Fatores como a flexibilidade, a evolução e a globalização que deveriam jogar a nosso favor, são muitas vezes encarados como inimigos do nosso trabalho. E, de facto, não são inimigos, serão antes parceiros. Sim, parceiros, isso tudo. Se sabemos que vamos coexistir com eles, então deverão ser considerados como tal. Devemos por isso, conhecê-los bem, saber com que podemos contar, onde vão tocar e o que vai mudar. Porque flexibilidade não significa necessariamente precariedade. Flexibilidade implica um leque alargado de possibilidades de trabalho. A evolução e a globalização são consequências naturais do decorrer dos tempos e, embora agora aconteçam a um ritmo vertiginoso, são incontornáveis. Resta-nos acompanhá-las e saber tirar partido delas.
Receia que a permanente invisibilidade e esta nova forma de trabalhar, num perpétuo movimento, num contínuo redescobrir, que parecem acenar-nos com a obsolescência a toda a hora e que nada parecem acrescentar a nosso favor sejam uma via rápida para acabarmos por ser engolidos pelo sistema?
Nada mais errado.
Estes fatores que, à primeira vista, nos colocam num segundo, terceiro ou quarto planos podem levar-nos a desvalorizar o nosso papel no ciclo de um processo de internacionalização de produtos e serviços ou na comunicação imprescindível entre povos e culturas diferentes. Podem até fazer com que nos esqueçamos da nossa própria importância e favorecer a imagem do tradutor sozinho, agarrado à sua secretária e ao seu computador, preso às exigências de um cliente-ditador ou de um mercado que tenta apoucar-nos com preços míseros pelo trabalho que fazemos.
Proponho-vos um pequeno exercício: que peguem numa folha de papel e anotem todas as empresas e indústrias para as quais trabalham, que detalhem depois quantos produtos já ajudaram a vender, quantos filmes já legendaram, quantos livros já traduziram, quantos contratos já ajudaram a celebrar, quantos negócios já possibilitaram. Já está? Parece-vos pouco agora? Talvez a perspetiva seja agora diferente. Não estamos sob as luzes da ribalta, é certo, mas o papel que desempenhamos é, e sempre foi, imprescindível num processo de comunicação entre falantes de línguas diferentes.
Falta-nos o reconhecimento oficial, é verdade. Uma parte desse processo está, acredito, na força que a constituição de uma Ordem trará, nas portas que abrirá que trarão cenários certamente diferentes ao nosso dia-a-dia. A outra parte está em nós, na nossa forma de trabalhamos e de zelarmos pela defesa dos nossos direitos. Está na nossa união enquanto classe, está na clareza e objetividade com que explicamos as nossas especificidades, na forma como consolidamos a nossa luta para vermos reconhecidos os nossos direitos e conseguimos uma proteção mais justa, menos difusa e mais adaptada a todas as fases do nosso enquadramento fiscal, na forma como nos firmamos com profissionalismo ao serviço de clientes, mas independentes e livres de peias.
Para isso, a união conta. A união é que faz a diferença. E a união está nas nossas mãos.
Bio:
Licenciada em Tradução pelo Instituto Politécnico de Leiria, é tradutora de inglês e francês para português desde 2006 nas áreas da Comunicação Empresarial, Marketing, Turismo e Assuntos Internacionais. Desde 2017 é membro da Direção da APTRAD.