TRADUÇÃO MÉDICA: DA FORMAÇÃO À PROFISSÃO

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TRADUÇÃO MÉDICA: DA FORMAÇÃO À PROFISSÃO

No dia 22 de maio, tive o prazer de participar numa mesa-redonda sobre tradução médica organizada pelo TRADUSA (Encontro Brasileiro de Tradutores Especializados na Área da Saúde) em parceria com a APTRAD (Associação de Profissionais de Tradução e de Interpretação). Em conversa com a tradutora e intérprete brasileira Suzana Gontijo, abordámos os temas da importância da formação, o papel das associações de tradução e específicas da área, os recursos terminológicos na área da saúde e, ainda, a entrada no mercado da tradução médica.

Segue-se um breve resumo do que foi discutido, com ideias adicionais que considero relevantes, mas que não tive a oportunidade de apresentar durante a sessão. Muitas destas sugestões podem ser adaptadas por tradutores e intérpretes que trabalhem noutras áreas de especialização.

1. Importância da formação

Um tradutor pode especializar-se na área médica por duas vias. Por um lado, há tradutores formados em áreas da saúde e medicina e que mais tarde se formaram em tradução. Por outro, há tradutores formados em tradução que optaram por se especializarem na área da tradução médica, adquirindo os seus conhecimentos no exercício da profissão.

Em ambos os casos, a formação contínua é essencial. Na tradução médica, há a necessidade de atualização contínua. É uma área que está sempre em inovação, sendo essencial mantermo-nos constantemente a par da atualidade.

Atualmente, há uma enorme facilidade no acesso a recursos de aprendizagem, sejam eles online ou presenciais. Há uma oferta variada de cursos online, webinars e fóruns de discussão onde podemos adquirir novos conhecimentos ou melhorar os que já temos. Embora devamos estar sempre estar a par das novidades e inovações da nossa profissão, é igualmente importante procurarmos oportunidades de aprendizagem na nossa área de trabalho.

E não é só na Internet que as podemos encontrar. Mesmo os tradutores que não tenham possibilidade de participar em eventos noutros países, ou até noutras cidades, podem procurar eventos de pequena ou grande dimensão na área de residência. Os hospitais e as instituições de ensino (superior ou técnico) organizam frequentemente seminários e conferências sobre diversas áreas.

A participação nestes eventos, para além de ser uma oportunidade de aprendizagem sobre determinado tópico, serve também como oportunidade de networking com os nossos potenciais clientes. Contudo, o tradutor ou intérprete não deverá ter como principal objetivo “angariar” trabalho nestes eventos, mas sim ficar a saber mais sobre aquilo que os nossos clientes procuram ou precisam.

Por fim, devemos ler. Ler muito. Não devemos ler apenas textos técnicos e específicos da área, mas sim textos mais gerais como artigos da comunicação social (desde que sejam fidedignos).

2. Papel das associações

A integração em associações dinâmicas traz muitos benefícios. Para além de ser uma forma de acreditação enquanto profissionais, temos acesso a uma comunidade de partilha de conhecimentos e oportunidades de trabalho. Além disso, quem está a entrar no mundo da tradução pode usufruir de iniciativas de apoio dinamizadas pela associação, seja através de um programa de mentoring ou da organização de sessões de formação online e presenciais.

Em simultâneo, uma boa estratégia será pertencer a associações de tradutores e intérpretes especializados na área da saúde (por exemplo, TREMÉDICA, IMIA) ou associações generalistas com capítulos dedicados à área da saúde (por exemplo, ATA, ITI).

Contudo, não basta pertencermos a associações de tradutores e intérpretes. Temos de estar onde os nossos clientes estão e onde podemos aprofundar os nossos conhecimentos.

Devemos procurar associações ou grupos relacionados com o setor dos nossos clientes. Talvez uma associação de doentes que nos diga particularmente respeito, organizações de investigação na área da saúde, ou um grupo de discussão nas redes sociais que integre profissionais ligados à nossa especialização.

Aqui, podemos adquirir e partilhar conhecimentos específicos da nossa área, desenvolver contactos e ter uma visão concreta da indústria.

3. Recursos terminológicos na tradução médica

Na área médica, é importante ter acesso a fontes de informação que sejam credíveis e fidedignas. É uma área com terminologia muito específica, na qual um erro pode colocar em risco a integridade física ou mesmo a vida das pessoas. Esta terminologia nem sempre está disponível em glossários e dicionários.

É essencial adotarmos estratégias de investigação dos recursos online, sejam eles portais de publicações científicas (tais como PubMed, SciELo, JAMA Network, medRxiv, Researcher), websites das entidades reguladoras (INFARMED/ANVISA, ECDC/CDC, EMA/FDA) ou portais de terminologia (por exemplo, COSNAUTAS, MedDRA, EDQM). É igualmente indispensável dominarmos as técnicas de pesquisa em motores de busca como o Google ou o Google Scholar (Académico).

4. Entrada no mercado da tradução médica

Tal como em qualquer área de tradução, o mais difícil é começar. O primeiro passo será apostar na formação.

Um profissional de saúde que queira ingressar na tradução deverá procurar obter formação em tradução, seja através de cursos de licenciatura e mestrado ou em cursos na área não conferentes de grau académico, como pós-graduações ou especializações. De igual modo, um profissional formado em tradução deverá procurar o mesmo tipo de oferta na área da saúde na qual se pretende especializar.

No início da atividade, uma opção extremamente valiosa é também trabalhar com tradutores mais experientes na área (por exemplo, através de programas de mentoring disponibilizados pelas associações). No âmbito destes programas, um tradutor ou intérprete não só desenvolve estratégias de trabalho e procura de clientes, como também adquire conhecimentos especializados.

Outra via que um tradutor ou intérprete pode seguir antes de entrar no mercado de tradução, será procurar um emprego ou estágio numa empresa do setor, mesmo não sendo em funções diretamente relacionadas com a tradução e interpretação. Isto permite a aprendizagem de conhecimentos técnicos, a aquisição de experiência de trabalho e o desenvolvimento de uma rede de contactos.

O voluntariado também é uma alternativa – é uma forma de contribuirmos para uma causa ao mesmo tempo que aprendemos e ganhamos experiência. A Translators Without Borders é uma excelente opção porque o trabalho do tradutor é sempre revisto, o que permite ter o feedback sobre os textos traduzidos e aprender com os erros.  Contudo, nem sempre há textos disponíveis na nossa área de especialização ou a necessitar de tradução para o nosso idioma. E quando existem, pode haver sempre quem “chegue primeiro”.

Ainda no âmbito do voluntariado, há associações que necessitam de materiais traduzidos, mas não têm financiamento para o fazer. Não estou a falar de grandes ONG ou organizações internacionais de renome, mas sim pequenas associações locais ou nacionais dedicadas a uma causa pela qual tenhamos interesse e para a qual queiramos contribuir. Aqui, é essencial tentar trabalhar com alguém mais experiente com disponibilidade para rever as traduções. Certamente, haverá tradutores disponíveis para contribuir com o seu tempo para ajudar não só uma causa, mas também um colega.

As plataformas de tradutores (ProZ, TranslatorsCafé, Smartling, Genco, etc.) são úteis, tanto para trabalho como para alguns recursos educativos. No entanto, como em tudo, há o lado bom e o mau. E ao criarmos o nosso perfil nessas plataformas, devemos ser criteriosos ao definirmos as nossas áreas de especialização e os nossos preços. Um tradutor médico deverá indicar isso mesmo nas áreas de especialização, resistindo à tentação de assinalar todas as áreas disponíveis na ânsia de ter trabalho. Também não devemos ceder a propostas de colaboração a um preço inaceitável com a promessa de trabalho constante ou por não termos trabalho, pois não só não dignifica em nada a profissão do tradutor e intérprete, como também é contraproducente.

Finalmente, há que ter uma postura ativa nas redes sociais, tais como o LinkedIn, Facebook, Twitter, Instagram – qualquer que seja a predileção de cada um. Mas não estou a falar de procurar trabalho. Refiro-me a adotar as redes sociais como uma ferramenta para aprofundar e partilhar conhecimentos, criar contactos – “ver e ser visto”. Não basta ter um perfil nas redes sociais, temos de o trabalhar. E trabalhar um perfil nas redes sociais não significa publicitar o que fazemos nem que oferecemos um ou outro serviço. Temos de acrescentar valor ao feed de quem nos segue.

Mas criar conteúdos não é fácil. Aliás, é das maiores dificuldades que muitos tradutores enfrentam. A minha sugestão seria começar por encontrar um tema tão interessante como relevante e partir daí. Quem não se sente à vontade nas redes sociais e não sabe o que publicar, poderá começar por avançar devagar. Gostar de um post interessante, deixar um comentário relevante, partilhar um post ou artigo com uma opinião sobre o mesmo, identificando o autor, são alguns exemplos de interação nas redes sociais que não implicam a criação de conteúdo. Progressivamente, vamo-nos sentindo mais à vontade para publicarmos os nossos próprios posts e artigos. E ganhamos coragem de publicar textos autênticos e que atraiam potenciais clientes para o nosso feed.

Para terminar, a maior incerteza que um tradutor ou intérprete enfrenta ao terminar a sua formação é comum em todas as áreas de especialização: “E agora, por onde começo?”

Há inúmeros recursos onde podemos aprender estratégias de marketing e criação de conteúdos. No entanto, não nos podemos esquecer de que a nossa principal ferramenta é o nosso conhecimento da área em que trabalhamos.

Um tradutor ou intérprete é, por natureza, uma pessoa curiosa e deve aplicar essa curiosidade ao desenvolvimento contínuo das suas competências. E isso é transversal a todas as áreas de tradução e interpretação.

Biografia:

Ana Sofia Correia é tradutora de inglês para português e consultora linguística. Com mais de doze anos de experiência, a sua área de especialização é a tradução e validação linguística de documentação de ensaios clínicos e materiais orientados para o doente, bem como de dispositivos médicos e medicamentos. Também colabora com organizações dedicadas à defesa dos direitos dos doentes e à promoção da literacia para a saúde com vista à capacitação dos doentes e cuidadores.