Em defesa da profissão de tradutor

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Em defesa da profissão de tradutor

No último Dia Internacional da Tradução, a 30 de setembro, fui desafiada para, juntamente com duas colegas de profissão, ir em representação da APTRAD falar sobre a profissão de tradutor a alunos de uma escola primária de Setúbal. Foi uma manhã diferente, muito intensa e gratificante. No fim das nossas apresentações a diferentes turmas dos 3.º e 4.º anos, estávamos paradas junto ao portão da escola a discutir sobre o restaurante aonde iríamos almoçar, quando fomos interpeladas pelo simpático professor de inglês que acompanhou uma das turmas, para dois dedos de conversa. Basicamente, queria saber como poderia ele, um “amador”, entrar no mundo da tradução para “fazer uns trabalhinhos à noite e distrair a cabeça das aulas de inglês a crianças”. Olhámos umas para as outras, indecisas sobre que resposta dar. Poria a minha mão no fogo em como a todas nos passou o mesmo pela cabeça: mandamo-lo à fava ou vamos ser boazinhas?

Se, por um lado, eu não concorde em absoluto com a premissa de que só pode ser tradutor quem tiver tirado um curso especializado em tradução (eu própria sou apenas de línguas e só viria a especializar-me em tradução já depois de o ser), por outro lado, espantam-me estas pessoas que veem a tradução como um biscate, como uma coisa que se faz nas horas vagas para ganhar uns trocos, para a qual qualquer pessoa com conhecimentos de línguas está apta, sem precisar de tirar qualquer tipo de especialização. Como se qualquer pessoa pudesse dar umas consultas médicas por fora porque sempre se interessou por Medicina e teve nota máxima a Saúde; ou pudesse prestar apoio jurídico nas horas vagas porque costuma ler a Proteste e aprendeu umas coisas sobre Defesa do Consumidor (por falar nisto, a minha carta à Dinheiro & Direitos em resposta ao artigo Ganhe dinheiro online que punha a tradução no mesmo rol de formas de ganhar rendimentos extra nunca recebeu resposta, mas não era nada que não estivesse já à espera).

Acabámos por optar pela simpatia e remetê-lo para o site da APTRAD e outras fontes fidedignas de informação sobre cursos na área da tradução. Não era altura para discussões acaloradas sobre se qualquer pessoa pode ou não ser tradutor, só porque é nativo e/ou estudou línguas. Mas, em retrospectiva, penso que já talvez devesse ter um discurso preparado para situações destas. Não, nem toda a gente dá um bom tradutor. Não, não é suficiente saber duas línguas para se ser um bom tradutor. Sim, é preciso estudar, aprimorar a prática e, pasme-se, ter algum jeito para a coisa. Eu diria também, algum gosto, mas essa, para mim, é informação redundante. Acima de tudo, é preciso ver a tradução como uma profissão qualificada, para a qual é preciso investir, tempo e dinheiro, treinar muito e ter a atitude certa: rigor, brio, talento e paixão. Aliás, como em qualquer profissão.

Biografia: 

Mónia Filipe é formada em Inglês e Alemão pela Universidade Nova de Lisboa, tendo feito várias pós-graduações em Tradução. Trabalha como tradutora desde 2007; em regime freelancer desde 2014. Viveu em Berlim e agora mora em Sesimbra, mas continua a trabalhar maioritariamente com a língua alemã.